segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um dia...

Um dia...

Eu não acredito. Não quero acreditar no que está acontecendo neste país. O primeiro, o segundo, o terceiro poder e até o quarto – leia-se mídia – engordam pelo alimento da propina - praticamente uma Instituição Brasileira!

Aquele que era chamado de “1ª dama” no governo Collor, Sr. Paulo Otávio, agora número 2 da célula criminosa que se desnuda ao povo sem qualquer cerimônia, amontoa-se e multiplica-se em seus discípulos – até Dona Eurides Brito, que foi Secretária da Educação tanto tempo, de educadora tornou-se pupila.

As declarações de que a situação é de tal contaminação criminosa que dificilmente se terá o desvendamento de mais esse esquema sem uma intervenção federal são assustadoras. E mais assustador ainda é o sentimento de derrotados absolutos de que estamos imbuídos. Chegamos a crer que a esfera federal também pode estar derrotada pelo corporativismo, pela corrupção, pela face antiética tão cônscia de que caminha no bem. Bem de quem, cara pálida?

Enquanto os aposentados reivindicam a devolução do que lhes foi seqüestrado pelo fator previdenciário – herança maldita de FHC – e as escolas se transformam em antros de ineficiência moral e cultural, no Brasil há os que se embebedam com Chandon no melhor copo de cristal.

A gente nem quer Chandon, nem copo de cristal, bastava água de qualidade, arroz, feijão, verduras e uma lasquinha de carne no prato. A gente também não quer mais nada pela metade, como bem o disse o Titãs. Estamos fartos do pouco, do nada, do vazio, do imoral.

Se arruda servisse mesmo pra dissipar más energias, não estaria no centro do furacão que devasta a capital da República. Nunca mais hei de colocá-la atrás da orelha, corro o risco de perder o brinco.

Temos sim inúmeros caminhos que se desviam da revolução, da guerra civil, da desobediência irrestrita, mas tem horas que a gente quer mesmo é tomar as armas das mãos dos traficantes e dirigi-las ao Congresso, às Câmaras distrital e municipais, às Polícias que abandonaram seu papel, aos governantes que nos desgovernam a vida.

Não estimulo nada disso, embora o desejo seja um bicho acuado no meu peito, no seu, no do povo brasileiro.
Um dia, alguém será um líder que, ainda que ferido de morte, há de erguer uma bandeira verde-amarela que não se enrubesça de vergonha. Um dia...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Se você me entender...

Se você me entender...

Às vezes fico imaginando o que teria mudado se, na ocasião da vinda de Cristo, tivéssemos desde o começo acolhido a sua missão como verdadeira. A história seria outra, porque nossos passos teriam sido no mínimo pautados pelo amor e pelo perdão: duas armaduras fortes o suficiente para organizar as relações humanas.

Não teríamos que abraçar religião alguma para seguir a filosofia do amor – a melhor “sacada” ideológica já pensada. Mas Jesus, como filósofo e pensador, não quis interferir no livre arbítrio de ninguém. Não era esse o caminho em que acreditava. Não repetiria o autoritarismo dos pais que obrigam seus filhos a fazerem o que não entendem. Era preciso primeiro o entendimento para depois a ação ser contundente. Não confundia autoridade com autoritarismo. Sabia que podia exercer sua autoridade, mas somente diante daquele que se curvasse a ela. E os que se curvaram foram heróis, persistentes, abnegados de tudo, foram exemplos de iluminação para uns, de burrice para outros.

E entre esses outros ficamos nós, execrando a quem perdoa não sete, mas 70 vezes sete, recrucificando os que amam a quem os faz sofrer. Não entendemos até agora qual é a vantagem da filosofia do Cristo. É porque não descobrimos ainda o profundo prazer do sentir sem que ninguém nos faça nada, do sentir simplesmente pela nossa própria ação. Não nos cansamos de comer no lixo, ou seja, alimentar-nos das migalhas alheias. Quando nos nutrimos do que nós próprios colhemos, e preparamos no fogo brando do conhecimento, e saboreamos com a simplicidade de nossa natureza, aí a satisfação é completa. Era mais ou menos isso que o Cristianismo primeiro esperava ensinar, mas com a interferência dos interpretadores como eu, desvirtuou-se muita coisa.

Às vezes ainda me dá vontade de fazer a única coisa que Ele nos pediu em favor de sua lembrança: repartir o pão e o vinho, como fizera com os seus. Mas o ritual tornou-se tão distante dEle, que nem sempre me sinto atendendo ao seu pedido. Seu único pedido. E escolho tentar entender o que de fato gostaria que fizéssemos para senti-lo mais próximo.

Lamento dizer, mas não dá pra dispensar essa sensação, é muito mais prazerosa que um vício, que o amor humano, que a carne, que o elogio, que a matéria. É única, mas vale lembrar que isso não me torna uma fanática, uma carola incorrigível ou coisa que o valha. Isso me torna mais humana, o que já não é tarefa das mais fáceis, quando se vive no meio de uma guerra que só conhece a barbárie. Também não se tornou um refúgio, porque não me escondo em nenhuma caverna nem repudio o asfalto em que me encontro. Estar no mundo é a parte mais difícil pra quem quer seguir o Cristianismo, mas também é a mais necessária. Como saber o gosto do mel quando só dele se provou?

Se tivéssemos entendido tudo o que Ele disse logo de cara, já estaríamos em estado etéreo, sem a matéria que apodrece, sem as misérias dos desejos. E a Terra já estaria numa nova era glacial, tirando todos nós daqui com uma única baforada de gelo. E estaríamos num outro planeta melhor, com mais Da Vinci, mais Mozart, mais Gandhi, mais rock, mais cor, mais crianças, mais velhinhos de bochechas cor de rosa, mais água, mais ar, mais bichos e luas. Não estaríamos aqui. Estamos fazendo um estágio – difícil, sem dúvida – que nos graduará para missões agradáveis, porque nenhuma delas será penosa, porque olharemos pra elas com um sorriso, porque toda dor teremos o poder de cessar.

Se tivéssemos entendido... não estaríamos nos nivelando aos animais, aos predadores cruéis, que mais matam por prazer que pela fome. Não entendemos ainda que dividir o pão pode ser o primeiro passo em direção à cura humana.

Mas não desisto. Continuo questionando, refletindo e mudando o que dá pra mudar. Quanto ao que não consigo ainda, Ele sabe qual é o meu tempo. Às vezes, levo 33 anos pra descobrir que o melhor era ter tentado. Às vezes, alguns dias bastam pra eu resolver uma vida. É assim que é. E não estou me sentindo incompreendida mais.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O obituário do Zé Rodrix

Depois de ler o texto abaixo, analisei e, de fato, acho que não é uma fraude. Acho mesmo que o Zé Rodrix deve ter escrito porque há trechos que são muito o jeito de ele pensar. Compartilho com vocês.
O obituário do Zé Rodrix (escrito pelo próprio e lido em seu funeral):

Há alguns anos, gostaria de ter a causa-mortis preferida de meu pai: assassinado aos 98 anos de idade com um tiro dado por um marido ciumento que o tivesse pego em pleno ato… mas hoje não mais. Pode ser de fulminante ataque cardíaco, dentro da minha biblioteca, perto o suficiente da família e dos amigos mas afastado o bastante para que, alertados pelos cachorros da casa, já me encontrem morto, com um sorriso nos lábios.
Pode sepultar-me em pleno mar, sob a forma de cinzas, já que não poderei ser sepultado in totum no jardim da minha casa. Se conseguirem isso, no entanto, que não cobrem entradas para visitação, à moda do irmão da princesa: deixem que alem das pessoas os passarinhos e os animais da casa se refestelem no lugar, renovando diariamente o eterno ciclo da Natureza.
Ao enterro devem, através de convite formal, comparecer todos que foram aos meus lançamentos de livro: nada mais parecido com um velório do que isso.
Peço parcimônia nos eflúvios emocionais: já as risadas devem ser francas e sem limite. Creio inclusive que prepararei com antecedência uma fita de piadas gravadas para animar o velório e manter o pessoal na boa.
Como dizia o Bozo, “sempre rir, sempre rir.”
Lá só deixarei a mim mesmo: mesmo os inimigos que comparecerem para ter certeza de que estou realmente morto podem voltar para casa em paz. Não pretendo puxar a perna de ninguém à noite e nem assombrá-los depois de morto.
Já os amigos podem contar comigo: havendo vida após a morte, volto para avisar, da maneira mais pratica e menos assustadora que me for possível. A cremação deve ser feita depois que todos forem embora cuidar de seus próprios afazeres: enfrentar as chamas do forno terrestre já será um grande intróito para a vida eterna.
Se conseguir, tentarei ser crooner da grande Orquestra de Jazz do inferno, vulgarmente chamada de SATANAZZ ALL-STARS: como já vou chegar lá, tenente ou capitão, dada a minha imensa taxa de maldades realizadas sobre a Terra, creio que não será difícil. Meu castigo certamente será cantar MPBdQ por toda a eternidade, mas mesmo com isso ainda se pode encontrar algum prazer, assim na terra como no inferno….é o que veremos a seguir.
No enterro podem tocar de tudo, menos as músicas que eu tenha feito. Minha morte servirá certamente para que se livrem não apenas de mim mas também de minhas obras. Os herdeiros também não merecem ouvi-las, sabendo que nada herdarão de minha lavra, porque, sendo eu adepto da política do “VAI TRABALHAR, VAGABUNDO”, como meu pai fez comigo, já tomei providências para que essas músicas não lhes rendam nem um tostão furado. Sendo um velório moderno, recomendo músicas de carnaval antigo, as indiscutíveis, claro, com algumas discretas serpentinas e confetes jogadas sobre o caixão, fechado, naturalmente.
Morrer num sábado à tarde, ser enterrado num domingo antes do almoço, e estar completamente esquecido na manhã de segunda, sem atrapalhar a vida profissional de ninguém: eis a perfeição que desejo na minha morte.
Muito grato.
Beijos.
Zé Rodrix
"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Saudades do Zé

Saudade do Zé

De fato, o homem jamais vai aceitar a perda pela morte. E é bom que seja assim. É por isso que nos preservamos e protegemos aos que amamos mais que a nós mesmos. E quanto menos temos o poder de evitar o inevitável, mais nos sentimos traídos pelo que deveria simplesmente ser natural.

Dia 22 de maio perdi um amigo, e nenhuma outra designação cabe melhor que essa: amigo. Zé Rodrix entrou em nossas vidas pelas mãos da Tetê, minha filha, quando ela fez contato com o Clube Caiubi em São Paulo, para promover um encontro de compositores aqui no interior do Estado. Em princípio, achei que, mais que um sonho, conhecer o Zé não faria parte da vida de uma fãzinha tão desimportante como eu. Isso era coisa pra Tetê que já nascera artista. Ainda assim, atrevi-me a mandar a ele um livrinho meu, porque soube que ele gostava muito de ler.

Daí pra frente, um universo que eu não fazia idéia começou a ser desenhado com nossos encontros em família, nossas conversas, nossas risadas. Veio com a Júlia e a Bárbara ao meu humilde bangalô para comermos juntos, sentarmo-nos no chão pra olhar discos, livros, bem do jeito que achei que era, antes de sabê-lo melhor. Autografou-me um livro dele, falamos do Taiguara, da Elis, do Clube Caiubi e de todas aquelas figuras fantásticas com quem trabalhava: Sá, Guarabira, Tavito e tantos outros. Descobri até que eu tinha um vinil da Rosa Maria produzido por ele.

Ele acompanhou o primeiro trabalho sério de gravação do Hai Kai, encantou-se com os meninos tocando, compondo... Enfim, fez um lindo depoimento a respeito da banda no dia do lançamento do cd. Veio de SP especialmente para participar desse lançamento, e sua generosidade foi tamanha com quem ainda engatinha na pauta de que ele é dono, que passamos a considerá-lo padrinho musical do Hai Kai. E assim é. E assim vai ser sempre, porque não há como esquecer o que ele é, o que ele diz, o que ele doa de si mesmo.

Eu não sabia que doía tanto..., mas como acredito que a alma humana não se acabe com a morte, sei que estaremos juntos, numa casa de campo, no planeta que for melhor pra nós. O Zé já tinha desistido de adivinhar o que aconteceria depois, ele achava melhor esperar para ver quem é que tinha a razão. Talvez tivesse a convicção de que viveria por mais 30 anos e que, com a descoberta humana de todo o processo vital, não morreria mais. Ele não viveu os 30 anos pra ver, mas viverá muito mais por tudo que escreveu, cantou e falou, por tudo o que nos deu de afeto, sem qualquer expectativa de ser retribuído. Amava pelo prazer de sentir, cantava pelo prazer de espalhar sentimento, chorava pelo prazer de se entregar à melhor emoção da arte de verdade.

Que saudade doída, Zé... E ainda hoje te ouvi no rádio... com tanta vida! Eu sei que essa vida te acompanha, mas nós, tão pequenos e egoístas, ainda queríamos que você ficasse mais. Desculpa-me não entender ainda o que é que te espera do outro lado. A gente não te queria para o cosmos, mas só para nós mesmos. A gente tem noção de que por lá há coisa maior que o nosso desejo, mas não temos ainda a grandeza do desapego porque a ferida ainda está aberta. Quando fechar, vamos ver tudo bem melhor e, quem sabe, apreciaremos a tudo com o distanciamento suficiente para enxergarmos a tua vida mais nítida, maior e mais bonita ainda.

Por ora, fica bem e recebe esta homenagem que te prestamos.

sábado, 25 de abril de 2009

Adrenalina

Adrenalina


É preciso buscar adrenalina!
É preciso buscar adrenalina?
É... preciso buscar adrenalina... Essa não é a resposta. Passou a ser preciso buscar adrenalina feito louco, mas por um motivo muito simples: a que existia exauriu-se com o sumiço da sensibilidade.
Você já observou que, quando tínhamos sensibilidade, qualquer canto de pássaro, qualquer cena de filme água com açúcar, qualquer gesto de atenção era suficiente para derramar adrenalina no sangue a ponto de disparar o coração, ferver as veias, aquecer as mãos, fazê-las suar de emoção? Muita coisa era motivo de emoção, boa ou ruim, não importava muito. O que interessava é que estávamos sempre envolvidos em uma montanha de sentimentos preenchendo espaços que hoje estão vazios.
Como é possível manter a sensibilidade quando a morte é tão banal quanto à vida? O nascimento de alguém já não carrega mais o milagre da Criação, como a morte não tem mais as cores do enterro. Ambos são tão-somente fatos como mais um acidente na estrada ou mais um show de rock que gera comentário por alguns minutos. Ao final desse tempo, o assunto tem que ser outro, sempre em busca de mais alguma adrenalina.
Qualquer atitude que beire o humano passou a ser infantil, piegas, um mico capaz de envergonhar o maior cara-de-pau da paróquia. Ridículo, falso, tosco, sonso, enfim, nessa linha, qualquer adjetivo serve.
Ficou difícil voltar à humanidade, no seu mais profundo significado. Somos sós e, para fugirmos dessa solidão incômoda, adaptamo-nos a um comportamento implantado por um estilo globalizado, sem mesmo questionar o que é que nós estamos fazendo. Não temos explicação para nós mesmos. Tornamo-nos macacos que imitam o tempo todo, sem ter a menor idéia de que as coisas podiam ser diferentes.
O tamanho do sofrimento dos jovens diante desse cenário é colossal. Qualquer coisa que os faça diferentes torna-se uma dor lancinante que nada mais é capaz de dirimir. Os pais, a essa altura do campeonato, embora tenham ensinado os filhos a serem assim “sociais”, não sabem como salvar a prole da tragédia grega em que se enfiaram. E não podem, porque ninguém é milionário pra suprir a tudo que um adolescente acha que precisa. E quanto mais se dá, mais está faltando!
Quando o ter não se destaca, entra em ação o desejo pelo perigo e pelo inédito. Aí, vêm os esportes radicais, o uso de drogas inofensivas, depois o experimento das substâncias novas no mercado, uma travessura com espingarda de chumbinho, um susto numa CDF da turma, brinquedos perigosos num parque famoso, um assalto, um cavalo de pau, um racha, uma morte, uma fuga... Aí a adrenalina chega a mil. Mas logo passa e será preciso outra loucura qualquer para ter aquela sensação de novo. E mais, e mais.
Essa busca não está mais restrita a jovens começando a conhecer a vida. Já atinge os adultos, os coroas, às mães, pais, avós, a toda uma época que perdeu a sensibilidade para ser feliz com o simples, o barato, o humano.
Às vezes nos sentimos uns ETs no meio de toda essa gente, mas no fundo, se temos muito mais adrenalina sem a transgressão tão cultuada, é porque ainda nos sobraram sentimentos. É um consolo.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Fome de contato

Fome de contato

Com o progresso a olhos vistos em todas as atividades humanas, não seria de se estranhar que a árdua tarefa de ser pai, mãe, filhos adultos, familiares de quem tem dificuldades especiais também passasse pelo processo da terceirização. E, como sói ocorreria, terceirizaram a educação, a alimentação, os cuidados com a higiene, as regras de comportamento – quando estas existem -, enfim, a infância, a adolescência, a terceira idade e a deficiência física e mental.
Como o prestador de serviços para a criança e o adolescente é a escola, ela que se esfalfe para fornecer o produto completo aos 17 ou 18 anos daquele ser que pouca utilidade tem dentro de casa. Evidentemente, sob o reflexo do sistema capitalista em que estamos todos imersos, quem nada produz nada vale.
Crianças, adolescentes, velhos e deficientes são, enfim, o estorvo socioeconômico que ninguém quer arcar. Não havendo outra saída, são recolhidos nas sedes prestadoras de serviços, para rápida transferência de responsabilidade dos parentes para quem puder segurar o rojão.
E depois há quem diga que o capitalismo é um sistema de oportunidades sem igual, que quem quer, de fato, consegue chegar lá. Lá onde, Cristo? Na sinuca de uma terceirização de afeto que não é o dos pais, nem dos filhos que se livram dos idosos, nem dos familiares que mantêm a distância do deficiente que tanto exige de todos!
Era preciso terceirizar ou mecanizar, sim, o individualismo capaz de pisar no último suspiro de humanidade que nos resta. Assim, seríamos necessitados da companhia de todos, porque todos teriam alguma coisa a nos acrescentar, mesmo que seja o aprendizado de que todo trabalho que a convivência impõe tem também seus frutos: o retorno do carinho despendido, a preocupação e o auxílio do outro quando não formos mais assim tão “perfeitos”, jovens e capazes; o despertar da fome de contato verdadeiro.
Nossos filhos não podem ser peso afetivo, nem quando não vieram por nossa escolha. Nossos idosos não podem ser um peso morto, nem quando esperam numa cama o fim de um destino terreno. Nossos deficientes não podem ser desamados porque possuem as limitações cuja presença julgamos imperdoável.
O ser humano, em quaisquer condições de idade, de limitação ou de imaturidade, certamente tem ilimitados valores em aspectos que nem supomos, mas que precisamos desvendar pelo conhecimento e pelo sentimento de que nos gabamos ter só porque somos pessoas.
Pessoas não se ignoram, não se livram das outras, não precisam da idealizada perfeição. Pessoas deviam ter olhos para ver o quanto o imperfeito nos cresce, deviam ter ouvidos para ouvir a voz de quem viu mais que nós, deviam ter tato para sentir na pele o prazer de um afago. Pessoas nasceram para praticar a mais saudável das habilidades de que somos dotados: a humanidade.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Mosaico macabro

Mosaico macabro
"Se eu vi mais longe, foi por estar de pé
sobre ombros de gigantes." Isaac Newton

Não é à toa que abrir escola ficou mais fácil que abrir boteco. Pudera! É uma fábrica de dinheiro que, bem “administrada”, multiplica o capital - o que não é nada complicado depois que aluno virou mercadoria e professor virou massa de manobra contribuidora do enriquecimento ilícito de tantos espertalhões que se dizem educadores.
Eu explico. A maioria das pessoas não sabe que um significativo número de escolas particulares brasileiras contrata professores, muitas vezes, sem registro na carteira de trabalho, paga a maior parte do salário “por fora”, o que caracteriza um drible fantástico nos impostos que deviam pagar, e compromete sobremaneira a aposentadoria de um trabalhador que virou um nada.
O professor, como troco justo ao que é explorado, finge que ensina, o aluno, que não encontra qualquer afinidade com o saber, finge que aprende, e, no final das contas, todos fingem que existe um belo trabalho de ensino-aprendizagem porque o prédio é lindo, os equipamentos enchem os olhos e os professores posam de pessoas felizes e realizadas como se o seu papel tivesse sido cumprido.
O fato é que tudo que é sufocado, e ainda por cima sem lucro para todos, uma hora começa a apodrecer. E o mau cheiro já começou: alunos não respeitam ninguém dentro da instituição (e não há por que respeitar), professores perdem o juízo e partem para briga judicial com as escolas, ou se envolvem em atos mais sérios como matar donos de escola – coisa que, aliás, já se tem notícia -, alunos agridem colegas e até professores, sem que ninguém possa pôr a boca no trombone e dizer para o mundo que isso é fato; por fim, pais perdem a noção do verdadeiro estágio educacional em que seus filhos estão, visto que o que chamam de avaliação é um mero blefe dentre tantos outros que compõem esse mosaico macabro.
Ninguém consegue mentir o tempo todo e para todos. A sociedade já começou a ver o tamanho do buraco moral e profissional que as mais lindas escolas apresentam. Nem preciso falar da escola pública. Essa já se destruiu a tal ponto, e no mundo todo, que nos EUA uma escola passou a desconsiderar esse nome “escola”, preferindo chamar aquilo de espaço de aprendizagem. Quem sabe assim a vergonha do que representa a escola formal se dissipe e alguém se digne a ir ali para estudar.
Diante dessa realidade, o que resta é exaltar talentos natos de jovens que manifestam uma habilidade extraordinária na música, na matemática ou em qualquer outra área. Ficou claro que notícia mesmo, só nesses casos. E, como dá IBOPE, as grandes agressões ou situações como crianças de 5 e 6 anos planejando assassinar a professora é que ganham espaço. Até Brasília, não só pela podridão política, mas agora pelos escândalos de brigas violentas em escola, é manchete de vez em quando.
Quando se eliminou a exigência do respeito à etiqueta (pequena ética), eliminou-se também a importância dos grandes conceitos éticos, que se destinavam à harmônica convivência entre as pessoas.
Está certo que a ética é uma morada em constante construção, mas pelo menos todos concordavam que os tijolos eram indispensáveis. Embora a decoração e as cores possam não constituir consenso de todos os seres humanos, não é possível que desejem habitar uma ruína cujas paredes não tenham reboque e as janelas sejam usadas como portas.
Por fim, o golpe mortal desferido contra a educação veio da própria sociedade (lar, igreja, centros de convivência de qualquer ordem), que ignorou a etiqueta, a ética e a vida. Soltou todas as rédeas que impunham limites aos acordos, diálogos e ações, para encontrar a única fonte de satisfação: o prazer. O prazer a qualquer custo revirou a tecnologia em vício e o homem em poço sem fundo de intolerância. O resultado não poderia ser outro senão o reflexo do macrossistema em um microssistema chamado escola.
Dessa reflexão pode-se imaginar qual futuro nos espera. Cabe a cada um consertar a sua própria casa e a si mesmo, em primeiro lugar, como bem nos recomenda Confúcio.