sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Obituário na TV

Obituário na TV

"Eu consigo calcular o

movimento dos corpos celestiais,

mas não a loucura das pessoas."





Tange o fantástico a redução lastimável do espaço que restou à arte na TV. Depois que descobriram o poder de abrangência dessa máquina, ela tornou-se maldita – segundo a acepção de “que não tem seu valor artístico reconhecido”. O negócio – no sentido lato da palavra – fatura horrores espalhando o que move o mundo: de um lado o masoquismo, de outro, o sadismo.
A cada tragédia sangrada na tela, há mais uma caixa mágica estacionando boquiaberta diante do sádico que se alimenta da dor alheia (ignore o pleonasmo) , ou do masoquista, curtindo cada chicotada como se fosse no próprio lombo (ignore-o também). E que prazer... que gozo o sangue provoca! É tão intensa e doente a exacerbação desses dois pólos da psiqué, que só a ganância patológica perdera a noção do estrago que certas notícias provocam.
Assiste-se a um verdadeiro obituário da arte, cultura, beleza, sentimentos agradáveis, ações louváveis, percepções filosóficas, discussões construtivas ou debates com algum nível. Justiça seja feita, há exceções. Mas a imagem corrente é a da discussão “elevada” se A traiu B, se C tem razão em condenar o comportamento de D, se E vai acrescentar mais silicone nos seios de fazer inveja a qualquer desenho animado, ou se F foi morta com ou sem requintes de crueldade, com ou sem intenção de, com ou sem o uso de tal instrumento, com ou sem violência sexual, enfim, com ou sem algum detalhe que faça o público fantasiar, a cada episódio mórbido, de que maneira o outro sofreu, de que tamanho foi sua dor.
Mas o que é cada vez maior é a dor que se deseja ver. E o pior é que é uma fraqueza humana querer participar das tragédias como se fossem novelas revelando, capítulo a capítulo, um detalhe mais sombrio ainda.
O interessante é que ninguém está reclamando da falta de músicas de qualidade, da falta de programas com conteúdo teatral enriquecedor à alma. Ou seja, relaxamos e gozamos diante do sepultamento do que nos permitiria continuar a ser humanos. Mas fomos alimentados com instintos mais temperados que sentimentos considerados insossos. Pode ser um consolo para os que sabem quanto essa escolha rende atrás das lentes filmadoras, agora, nós, que ainda queremos enxergar o mundo com lentes azuis e não vermelhas, precisamos de arte, em todas as dimensões.
Enfim, a TV virou uma escola de aperfeiçoamento para bandidos: ensina os melhores golpes, inspira a crueldade, a solução fácil para acabar com a pobreza, como garantir o poder apontando uma arma para a cabeça do outro, como assegurar a fidelidade da pessoa amada promovendo o terror do cárcere, da violência física ou psicológica. Não digo que não devamos saber o que acontece por aí, mas não queremos só saber o que acontece por aí. “A gente quer comida/ Diversão e arte”. “A gente quer dinheiro/ E felicidade”. E se os senhores da mídia nos permitem, queremos voltar a pensar, o que nos evitaria um Alzheimer precoce, uma arteriosclerose aos trinta anos. Precisamos continuar pensando para pelo menos calcular o movimento dos
corpos
celestiais, mesmo que jamais sejamos capazes de calcular a loucura humana.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O submundo da fama

O submundo da fama


Embora chamem de roda-viva a rotina dos famosos, talvez o ideal fosse chamar de “carne viva” o que passam na realidade. A verdade é que grande parte deles, especialmente os músicos, não sabe mais o que existe no mundo que não seja o seu. E o seu não é o que aparece na tv. O seu é um submundo inominável construído num palco amoral de drogas, desamor, esquecimento e solidão.
Geralmente, são profundamente carentes de amigos, mas, quando conseguem algum que de fato não o são por interesse, dois dias depois não sabem sequer quem são, de onde conhecem, porque as drogas já fritaram seu cérebro o suficiente para esquecer tudo. Continuam sozinhos, e bebem mais um pouco para fugir disso, mas não percebem que já podiam estar com um monte de pessoas que realmente admiram o que fazem. Lutam, lutam para terem o reconhecimento e, por fim, quando são reconhecidos, não aproveitam o que há de mais valioso: o verdadeiro carinho de quem os aprecia. É mais importante dormir com uma garota diferente a cada hora, experimentar uma droga diferente a cada show, tomar uma bebida exótica a cada festa, ser falsamente elogiado a cada entrevista, estar mal-amado a cada dia e ficar sozinho a cada intervalo de temporada, a cada viagem de descanso, a cada manhã depois da farra.
O computador passa a ser um companheiro de madrugadas vazias, mas sabe lá se o que se lê na conversa tem verdade, ou se é também um monte de baboseiras pra agradar a quem se quer algum favor.
O fato é que esse submundo não tem servido de felicidade pra ninguém. É tão ilusório para o famoso quanto para os que os admiram. É tão ruim para os que vivem nele quanto para os que acham que é maravilhoso viver nele. Não é parâmetro bom pra ninguém. Não é figura pública boa pra ninguém. É deprimente saber que um sujeito que ganhou visibilidade por talento ou não desperdice essa condição dando aos seus fãs o exemplo de que o submundo em que vivem é que é maravilhoso. Mesmo que queiram viver nesse submundo, não têm o direito de servir de exemplo pra ninguém. Não têm o direito de engrossar as fileiras do crime, da violência, do tráfico, da irresponsabilidade num mundo em que todos estão exatamente na contramão dessa estrada.
Sinto muito se os drogados, bêbados e violentos não percebem o que estão fazendo com os jovens do nosso mundo, mas eu não posso me omitir simplesmente porque um bando de gente vai dizer que sou moralista, preconceituosa e retrógrada. Prefiro assim. Sou roqueira, professora, mãe de uma banda de rock não viciada em nada e me orgulho que o meu não seja um submundo com ou sem fama. Porque, até onde alcançamos, não estamos na contramão do bom senso
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