sábado, 28 de fevereiro de 2009

Fome de contato

Fome de contato

Com o progresso a olhos vistos em todas as atividades humanas, não seria de se estranhar que a árdua tarefa de ser pai, mãe, filhos adultos, familiares de quem tem dificuldades especiais também passasse pelo processo da terceirização. E, como sói ocorreria, terceirizaram a educação, a alimentação, os cuidados com a higiene, as regras de comportamento – quando estas existem -, enfim, a infância, a adolescência, a terceira idade e a deficiência física e mental.
Como o prestador de serviços para a criança e o adolescente é a escola, ela que se esfalfe para fornecer o produto completo aos 17 ou 18 anos daquele ser que pouca utilidade tem dentro de casa. Evidentemente, sob o reflexo do sistema capitalista em que estamos todos imersos, quem nada produz nada vale.
Crianças, adolescentes, velhos e deficientes são, enfim, o estorvo socioeconômico que ninguém quer arcar. Não havendo outra saída, são recolhidos nas sedes prestadoras de serviços, para rápida transferência de responsabilidade dos parentes para quem puder segurar o rojão.
E depois há quem diga que o capitalismo é um sistema de oportunidades sem igual, que quem quer, de fato, consegue chegar lá. Lá onde, Cristo? Na sinuca de uma terceirização de afeto que não é o dos pais, nem dos filhos que se livram dos idosos, nem dos familiares que mantêm a distância do deficiente que tanto exige de todos!
Era preciso terceirizar ou mecanizar, sim, o individualismo capaz de pisar no último suspiro de humanidade que nos resta. Assim, seríamos necessitados da companhia de todos, porque todos teriam alguma coisa a nos acrescentar, mesmo que seja o aprendizado de que todo trabalho que a convivência impõe tem também seus frutos: o retorno do carinho despendido, a preocupação e o auxílio do outro quando não formos mais assim tão “perfeitos”, jovens e capazes; o despertar da fome de contato verdadeiro.
Nossos filhos não podem ser peso afetivo, nem quando não vieram por nossa escolha. Nossos idosos não podem ser um peso morto, nem quando esperam numa cama o fim de um destino terreno. Nossos deficientes não podem ser desamados porque possuem as limitações cuja presença julgamos imperdoável.
O ser humano, em quaisquer condições de idade, de limitação ou de imaturidade, certamente tem ilimitados valores em aspectos que nem supomos, mas que precisamos desvendar pelo conhecimento e pelo sentimento de que nos gabamos ter só porque somos pessoas.
Pessoas não se ignoram, não se livram das outras, não precisam da idealizada perfeição. Pessoas deviam ter olhos para ver o quanto o imperfeito nos cresce, deviam ter ouvidos para ouvir a voz de quem viu mais que nós, deviam ter tato para sentir na pele o prazer de um afago. Pessoas nasceram para praticar a mais saudável das habilidades de que somos dotados: a humanidade.