domingo, 12 de outubro de 2008

Engenharia em alta

Engenharia em alta: ... a etmológica


“As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.”
(Drummond)

Certamente a última flor do Lácio não nasceu da lei, dessa escrita no que chamamos de Carta Magna. Houve uma história escrita pelo povo e o próprio povo foi quem assinou o decreto criador da língua portuguesa.
Daí por diante, também decidiram, pela facilidade de pronúncia, pela contaminação de outros povos, ir trocando uma letra por outra, omitindo aqui, ali, acrescentando sons, trocando sons de lugar, mas, com certeza, ninguém levantou a pena dourada embebida em tinta nobre para dizer como é que devia ocorrer esse processo.
Houve, sim, uma boa participação de Camões ao fazer uso tão primoroso do português que, baseado na beleza do arranjo que fez, alinhavaram algumas regras básicas para se usar o idioma. Pelo menos consultaram a produção de alguém de fato genial.
Mas a questão que não quer calar é : qual foi o gênio que inspirou as últimas normas (de unificação para os países lusófonos) decretadas para a língua, sem sequer uma verdade lingüística brasileira que justificasse tamanha cretinice? Se não foi para escrever as primeiras regras da língua - como foi o caso da inspiração em Camões - , se não foi porque no Brasil se escreve ou se fala diferente e a norma já não mais correspondia à realidade, por que diabos resolveram assinar uma lei que não deixou um único brasileiro feliz – os políticos de plantão não contam. Ah! Tem também uns doutores universitários que argumentam que a mudança facilitou o uso da língua. Mas quem é que precisa facilitar? Não me lembro de um único japonês ter tentado mudar a escrita para facilitar a comunicação de seu povo. E sabe por quê? Porque a língua, como ela é, contém a história de seu povo, contém as entranhas de cada situação vivida pelas pessoas que habitam aquele país. O português do Brasil não conta nada dos outros países lusófonos. Ele conta do Brasil o que o Brasil é e viveu.
Bom, não é a primeira vez que tentam estuprar a história da palavra. E olha que propostas anteriores desejavam mais. Queriam tirar letras mudas! Por bom senso de alguém que conseguiu ser ouvido, não o fizeram. Seria uma tragédia inominável! (Soubemos depois que seriam só as letras “c” e “p” e em palavras usadas em Portugal somente. Mas até que isso fosse dito, ficamos delirando...) Seria obsceno (ou osceno)! Se queriam tirar o país do obscurantismo (ou oscurantismo), removendo todos os abcessos (ou acessos) sociais, acho que não conseguiriam. Mas desta vez... não faço idéia (agora “ideia”) da lambança.
Desde 1907, a confusão de tentar unificar a língua já acenava no Brasil, até porque com o aquecimento do mercado editorial, não era possível fazer livros com um português para o Brasil e outro para Portugal. Ou seja, desde esse tempo, o capitalismo já gritava aos nossos ouvidos e nós tínhamos que suportar a trombeta que anunciava o apocalipse que hoje se vive.
Antes disso, sustentada pela mentira de um espírito de nacionalidade, evidentemente fragilíssimo – como é que aquele mundo de escravos mal tratados podiam ter esta terra como pátria?! Como é que os beneficiados pelos portugueses podiam dar valor ao que não lutaram para ter?! – já tentavam unificar a língua portuguesa por meio de acordos, com a publicação de decretos. E os gramáticos achavam ótimo. Apoiavam, achavam que tinha que ser assim mesmo. O português tinha que ser um só. No decorrer desse mesmo século XX, então, a Academia Brasileira de Letras era a defensora mor de tal postura. Afinal, os escritores produziam suas obras para o Brasil, mas também para Portugal. Se o português fosse diferente, eles estavam fritos literalmente. Não publicariam nada, não venderiam nada e estariam como 99% dos escritores de hoje: na lona.
Estamos nós na lona, mas sabemos criar um bom tumulto. E é isso que interessa. Se eu coloquei alguma pulga atrás da orelha de alguém, já terá valido a pena continuar duríssima.