terça-feira, 21 de junho de 2011

Luís Antônio – Gabriela

Luís Antônio – Gabriela

É fato que não gosto de ver cenas de sofrimento, não tenho tendência sádica. Sou muito mais masoquista. Por isso relutei um pouco em assistir ao espetáculo Luís Antônio – Gabriela, dirigido por Nelson Baskerville, e apresentado pela Cia. Mungunzá de teatro. É que já tive o desprazer de ver muitos sofrimentos nesses 51 anos e busquei uma postura mais distante da dor, mesmo que ela seja do outro. Egoísmo? Não, muito mais proteção para minha mente que já anda fragilizada pra certas coisas.

Mas fui. Extremamente insegura quanto ao que o espetáculo ia me inspirar na emoção. E me inspirou, porém, o que eu não acreditava mais: a corajosa postura de toda a equipe em refletir sobre a situação real que viveu um travesti e sua família;deu-me a impressão de que eu estava, até então, abstêmia de sentir, só para não admitir que a vida é mesmo feita de ações equivocadas, intolerantes, e reações dolorosamente de amadurecimento que ajuda a fechar feridas.

Nelson, irmão de Luís Antônio, revive na peça não só os fatos, mas cria uma linguagem para revelá-los extremamente inovadora, capaz de nos colocar no centro do palco, estando sentados diante dele. A alma caminha no cenário, devora as falas, arrepia-se diante do que mais deveríamos estar habituados: a verdade. Ocorre que não estamos. E não estamos também preparados para sentir a verdade por meio dessa forma de se comunicar. É que o espetáculo surpreende segundo a segundo pelo trabalho de símbolos que criaram. Tudo é simbolizado por um objeto, um figurino, uma luz, uma palavra, um bolo de palavras que se esfaqueiam diante do caos e da verdade. Eu nunca tinha visto um time teatral conseguir chegar a tanto. Mais que o fato, o símbolo atinge a emoção. E atingiram.

Não sei se todo mundo que assistiu ao espetáculo percebeu que alguma coisa nova está surgindo, mas está. Dentro de um profissionalismo brilhante, a peça não poupa os atores de mergulhar na personagem, na situação, na atmosfera, na vida. Mais que representam, vivem e fazem-nos viver também.

Sou de uma geração que lidou muito mal com as questões que envolvem orientação sexual diferente da gente. Fomos ensinados a rejeitar, a ridicularizar, menos aceitar ou pensar sobre. Pensar já era pecado. Não se podia fazer uma reflexão mais filosófica, orgânica, biológica sobre a razão de existirem os diferentes. E foi ali, sentada na plateia do espetáculo Luís Antônio – Gabriela, que tive a exata dimensão do que ainda não tinha percebido, aprendido e pensado.

Não sofri exatamente. As cenas não provocam sentimentos de piedade, raiva, ou irritação. Elas provocam vergonha em quem ainda não consegue superar a intolerância e a profunda reflexão sobre nós mesmos. Não há como não nos colocar dentro da fantasia e dos simbolismos apresentados.

Obrigada a todos vocês por terem me vencido dos medos que me sufocaram antes de sentar-me diante de Luís Antônio – Gabriela. Meus queridos Marquinho, Lucas, Verônica e todos os outros cujos nomes ainda não domino bem, enxerguem o portal que estão abrindo nesse momento em que a arte está tão escondida. Vocês vão escancarar um novo estilo, uma nova etapa da arte teatral, sem exagero nenhum. Parabéns, do fundo do meu coração.